Entrevistei Adriana Calcanhotto no estúdio da TV Cabo Branco na época do seu primeiro show em João Pessoa. Ela era Calcanhoto. Não adotara o “T” dobrado de Calcanhotto.
Tinha lançado o álbum de estreia – Enguiço, de 1990 – e viajava fazendo shows de voz e violão. Como fazia em Porto Alegre, onde nasceu, antes de se projetar.
Gostei muito de conversar com ela. Fora do estúdio, lembro que Adriana me falou do disco que João Gilberto acabara de lançar – o álbum de estúdio João.
Também guardei na memória um comentário dela sobre Roberto Carlos: que há muitas músicas boas nos discos que todos consideram os piores da carreira do Rei.
Na sexta-feira passada, 03 de outubro de 2025, Adriana Calcanhotto fez 60 anos. E o que me ocorreu, ao pensar nela, foi a expressão “raízes e antenas”, de que gosto muito.
Raízes e antenas – fui buscar num evento da década de 1980 em que Gilberto Gil comemorava 20 anos de carreira. Há muitas raízes e muitas antenas em Gil.
Creio que “raízes e antenas” se enquadra bem em Adriana Calcanhoto. Ela tem as duas coisas, embora me pareça que, em seu caso, as antenas se sobrepõem às raízes.
O maior mergulho dela nas raízes é o álbum ao vivo – Loucura, 2015 – que dedicou ao repertório de Lupicínio Rodrigues, como ela, gaúcho de Porto Alegre.
Mas tem muita antena quando, no desfecho do álbum Loucura, ela traz o Lupicínio Rodrigues de Cenário de Mangueira para o universo do funk carioca.
Não importa se sozinha ao violão ou com banda, em palcos ou estúdios, Calcanhotto construiu um repertório que funde a autora com a cantora de canções não autorais.
Adriana tem contemporaneidade, é culta, gosta de literatura e poesia, e seu gosto refinado e sua sensibilidade apurada estão presentes no que ouvimos em seus discos.
Adriana Calcanhotto fez sucesso com sua versão acústica de Devolva-me, canção de Renato Barros (de Renato e Seus Blue Caps) e Lilian Knapp (da dupla Leno e Lilian).
Em 2011, Adriana Calcanhotto exibiu seu talento como autora em Micróbio do Samba. O álbum gravado em estúdio virou show e também um disco ao vivo.
Usando um heterônimo, Adriana Calcanhotto cantou para crianças em 2004. Era Adriana Partimpim. Curtiu tanto a experiência que voltou a ela outras vezes.
Gosto particularmente de uma trilogia que Adriana gravou. Os álbuns Maritmo (1998), Maré (2008) e, finalmente, Margem (2019) formam a chamada trilogia do mar.
Se Dorival Caymmi fez as Canções Praieiras no início dos anos 1950, Adriana reverencia o mestre baiano ao cantar Quem Vem Pra Beira do Mar em Maritmo.
Vi Adriana Calcanhotto ao vivo pela última vez um pouco antes da pandemia. Era A Mulher do Pau-Brasil. O show remetia, a um só tempo, aos modernistas de 1922, aos tropicalistas de 1968 e à passagem de Adriana pela Universidade de Coimbra.
Em 35 anos de carreira, Adriana Calcanhotto percorreu um caminho que só fez tornar a música popular brasileira mais rica. Seguimos sempre atentos ao que ela diz e canta.
Fonte: jornaldaparaiba.com.br | Publicado em 2025-10-06 04:26:00
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