Foto/Divulgação.
Nesta quinta-feira, sete de agosto de 2025, Caetano Veloso fez 83 anos. Na coluna desta sexta-feira (08), resgato um texto que escrevi quando ele completou 70 anos, em 2012, e que foi atualizado nos anos seguintes. É textão porque é do tempo em que se lia textão. De todo modo…
Na música popular brasileira, Caetano Veloso é o artista mais inquieto da geração que conquistou dimensão nacional na era dos festivais da canção, na segunda metade da década de 1960. Ninguém ousou tanto quanto ele, provocou tantas rupturas, exerceu tantas influências. Ninguém, numa geração de gigantes, esteve tão esteticamente à esquerda. Mais do que qualquer um dos seus contemporâneos, Caetano entrou em todas as estruturas e saiu ileso delas. Arrojado, transgressor, desafiador, complexo, brilhante!
Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso nasceu em sete de agosto de 1942 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. O gosto pelo canto, deve à mãe, Dona Canô, e à irmã mais velha, Nicinha. Aos quatro anos, sugeriu que a irmã se chamasse Maria Bethânia por causa da valsa de Capiba que fez sucesso na voz de Nelson Gonçalves.
Na infância, ouviu os baiões fundadores de Luiz Gonzaga. Aos 17, uma descoberta mudou sua vida: João Gilberto cantando Chega de Saudade. Se tivesse que escolher a música que mais o influenciou, escolheria esta de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Daquele modo: com a voz e o violão de João Gilberto. O ano, 1959. O mesmo em que Jean-Luc Godard realizou Acossado. Godard, o primeiro filtro pop de Caetano, que foi crítico de cinema na juventude e quis ser cineasta.
O grupo baiano, formado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia, começou a atuar em Salvador. Em meados dos anos 1960, Caetano foi para o Rio, acompanhando a irmã. Bethânia substituiria Nara Leão no espetáculo Opinião. A estreia em disco seria em 1967 no LP Domingo (com Gal), mas o reconhecimento nacional viria um pouco depois, também em 1967.
Alegria, Alegria, quarto lugar no festival da Record, o projetou e, junto com Domingo no Parque (de Gil), iniciou o Tropicalismo, movimento que propunha a retomada da linha evolutiva da música popular brasileira. Era um momento de ruptura, com a introdução das guitarras elétricas na MPB, num Brasil convulsionado pelas lutas ideológicas. Os militares governavam o país, e a sociedade civil começava a resistir. O endurecimento do regime se daria no final do ano seguinte.
Caetano Veloso gravou dois discos enquanto esteve exilado na Inglaterra. O primeiro (que tem London, London e Maria Bethânia) é melancólico e saudoso. O segundo (Transa) é um dos pontos altos da sua discografia, com You Don’t Know Me, Nine Out of Ten, Triste Bahia, It’s a Long Way.
Na volta ao Brasil, dividiu o palco com Chico Buarque, um encontro que a plateia dos festivais consideraria improvável. O sucesso do LP (Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo) com o registro do show permitiu a ousadia do seu passo seguinte: um disco radicalmente experimental, o Araçá Azul, campeão de devolução nas lojas. Seguiram-se Qualquer Coisa e Joia, álbuns separados que pareciam formar um duplo.
Na segunda metade da década de 1970, seria alvo fácil das chamadas patrulhas ideológicas. Por sua postura crítica em relação ao sectarismo da esquerda e pelas canções que vamos ouvir nos discos Bicho e Muito. Mas são deste período canções como Odara, Gente, Um Índio, Tigresa, O Leãozinho, Terra e Sampa, que resistiram ao tempo e figuram entre as mais marcantes do seu repertório. Cinema Transcendental fecha a década de 1970 com outra série memorável de canções (Lua de São Jorge, Oração ao Tempo, Beleza Pura, Menino do Rio, Trilhos Urbanos, Cajuína). De 1978 a 1983, tem ao seu lado os rapazes de A Outra Banda da Terra.
No início da década de 1980, na letra de Nu Com a Minha Música, mencionava os operários do ABC que prometiam mudar o sindicalismo e a política brasileira. Quando a redemocratização se aproximava, defendia a volta de Miguel Arraes ao poder. E, enquanto seu contemporâneo Chico Buarque cantava Vai Passar, ele falava dos Podres Poderes. “E quem vai equacionar as pressões do PT, da UDR e fazer dessa vergonha uma nação?” – perguntava no Brasil dos tempos de Sarney. Não demoraria a defender a tese de que o país se afirmaria internacionalmente por suas diferenças.
Musicalmente, o Caetano dos anos 1980 flertou com a vanguarda que surgia em São Paulo (Outras Palavras), passou pelos teclados de Lincoln Olivetti (Uns), se aproximou do novo rock brasileiro (Velô) e da música eletrônica que encontrou em Nova York (Estrangeiro).
Na década de 1990, Caetano Veloso fundiu, no álbum Livro, a percussão da música baiana com a sonoridade dos arranjos que o maestro Gil Evans escrevera para Miles Davis, gênio consumado do jazz. O disco saiu na mesma época de Verdade Tropical, denso volume de memórias em que, como num romance de formação, se debruça sobre a infância, a juventude, o Tropicalismo, a prisão e o exílio.
Um pouco antes, em Tropicália 2, comemorara, ao lado de Gilberto Gil, os 25 anos do Tropicalismo. O rap Haiti era contundente retrato das nossas desigualdades. Em Noites do Norte, já nos anos 2000, Caetano, que defende a necessidade de uma segunda abolição, trouxe a prosa de Joaquim Nabuco para sua música (“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”). E, a partir de Cê, por quase uma década, fez rock e muitas outras coisas com um power trio.
Em 2015, excursionou com Gil num duo acústico que celebrava amizade e parceria musical. Em 2018, caiu na estrada com os filhos, Moreno, Zeca e Tom, num show comovente chamado Ofertório. Em 2022, em seus 80 anos, excursionou com Meu Coco, título do álbum que lançou em 2021. E em 2024, percorreu o Brasil na turnê em que dividia o palco com a irmã Maria Bethânia.
Caetano Veloso é um artista que orgulha sua geração e seus ouvintes. Um compositor de música popular no nível dos melhores do mundo, um letrista excepcional.
Tem muitos outros méritos: como intérprete do que compôs e do que gravou de inúmeros autores, brasileiros ou não. Como artista que chamou atenção para o papel da canção popular na construção da nossa identidade. Como cidadão que pensa o Brasil com espantosa lucidez, a despeito do que dizem seus críticos. Caetano é diferente e original. Do mesmo modo que são diferentes e originais os caminhos que enxerga para o Brasil em seu destino como Nação.
Caetano Veloso diz que, onde quer que vá e como quer que lá chegue, levará consigo sua versão muito complexa da música popular brasileira – manifestação riquíssima que nunca mais foi a mesma desde que ele apareceu naquele festival de 1967, cantando uma marchinha que anunciava o novo em seus versos e nas guitarras que a acompanhavam.
“Eu sou apenas um velho baiano/Um fulano, um caetano, um mano qualquer/Vou contra a via, canto contra a melodia/Nado contra a maré”. Isso é Caetano Veloso na letra de Branquinha, canção de 1989. Em 2025, segue como fiel autorretrato do artista.
Fonte: jornaldaparaiba.com.br | Publicado em 2025-08-08 05:39:00
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